domingo, 12 de abril de 2009

Texto de Laura Vinci

A maior violência contra a arte é querer falar dela sem ela
A artista Laura Vinci rebate críticas de Ferreira Gullar à sua instalação "Ainda Viva'; segundo ela, poeta desconhece a obra
28/11/2007
LAURA VINCI
ESPECIAL PARA A FOLHA
A vontade de pôr em discussão a arte contemporânea, vista como uma espécie de aberração por alguns críticos, seguidos por alguns jornalistas, produziu uma curiosa aberração: defensores da arte falam da arte sem ver a arte, e sem nenhum pudor.
No caso, o meu trabalho "Ainda Viva", que ficou exposto na galeria Nara Roesler durante 40 dias, foi criticado pelo jornalista Luciano Trigo em um artigo intitulado "É de fama e dinheiro que se trata a arte?" (Ilustrada em 19/11).
O poeta e crítico Ferreira Gullar, já citado por Trigo, permitiu-se citar a mesma instalação respondendo a uma enquete sobre o tema do "feio" na arte, no jornal "O Estado de São Paulo" de 24 de novembro.
A única coisa que Gullar sabe sobre o trabalho é que nele existem "300 maçãs" expostas ao apodrecimento, o que lhe pareceu suficiente para tecer considerações ácidas sobre a obra e o estado geral da arte.
Imagino então se ele soubesse que não são 300, mas 7.000 maçãs. Se ele visse que mesmo assim, numa dimensão de Ceasa, uma maçã é uma maçã que sempre lembrará Cézanne.
Que postas numa superfície de mármore, que tem a dignidade do altar, da lápide e da tela branca, elas estão ali falando da tradição da natureza-morta na pintura. Que elas apodrecem em conjunto sem perder a beleza e exalando um perfume embriagante. Talvez ele se lembrasse que "natureza-morta" se diz em inglês "still life", vida parada, ou ainda vida. Que isso é uma pergunta sobre o destino da arte, e não uma confusão da arte com o lixo. Talvez ele se lembrasse que é poeta. Que o problema que ele vê na instalação, sem vê-la, é justamente o que ela está problematizando.
Se ele olhasse mais adiante, veria ainda uma coluna de peças de vidro pendendo do teto, e chegando quase até o chão, sem chegar a tocá-lo. Independente do que ele achasse dela, veria que é difícil descrevê-la.
Essas peças estão intactas na linha dos tiros reais que marcam a parede dos fundos, convivendo com a violência real e virtual que está no ar, como uma questão aberta a quem participa da experiência de estar ali.
Talvez Ferreira Gullar se surpreendesse, talvez detestasse ainda mais a arte contemporânea como um todo. Esse não é o ponto. A maior violência contra a arte, seja qual for, é a de achar que se pode falar dela sem ela, fingindo que está falando dela. Ninguém tem o direito de declarar que não gosta do "Poema Sujo", de Gullar, sem lê-lo, porque não gosta, por exemplo, de "arte suja". E de autorizar jornalistas a achar que podem fazê-lo também.
Mas, e se Ferreira Gullar se entusiasmasse e, para surpresa geral, quisesse comprar o trabalho? Aí perceberia que ele é não é facilmente comprável, não por causa de um preço, mas porque não se insere com facilidade, pela sua natureza, no mercado do qual faz parte.
Ao contrário do que sugere o título do artigo publicado pela Folha.
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LAURA VINCI é artista plástica

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Celso Vitelli, "Autorretrato em vermelho", 2011.

Celso Vitelli, "Autorretrato em vermelho", 2011.

Celso Vitelli, "Casamentos Pélvicos", 1994, veludo s/papel corrugado

Celso Vitelli, "Casamentos Pélvicos", 1994, veludo s/papel corrugado

Celso Vitelli, "Casamentos Pélvicos", 1994, detalhe

Celso Vitelli, "Casamentos Pélvicos", 1994, detalhe

Celso Vitelli, "Anástrofe", 1994.

Celso Vitelli, "Anástrofe", 1994.

Celso Vitelli, "Expectatu", veludo s/papel corrugado, 1994

Celso Vitelli, "Expectatu", veludo s/papel corrugado, 1994
Foto de Elaine Tedesco

Celso Vitelli, "Bixo", 1993, tecido s/papel corrugado

Celso Vitelli, "Bixo", 1993, tecido s/papel corrugado

Celso Vitelli, "Silêncio", 1992

Celso Vitelli, "Silêncio", 1992

Celso Vitelli, "Siga Nesta", 1997.

Celso Vitelli, "Siga Nesta", 1997.

Celso Vitelli, "Fêmurs e Fíbulas" ,1998

Celso Vitelli, "Fêmurs e Fíbulas" ,1998

Celso Vitelli, "Criação de adão com bolinhas de sabão" (detalhe), tecido e guache s/papel corrugado

Celso Vitelli, "Criação de adão com bolinhas de sabão" (detalhe), tecido e guache s/papel corrugado
1993

Celso Vitelli, "O Golpe", 1993, tecido s/papel corrugado.

Celso Vitelli, "O Golpe", 1993, tecido s/papel corrugado.

Celso Vitelli, "Traição", 1993, tecido s/papel corrugado.

Celso Vitelli, "Traição", 1993, tecido s/papel corrugado.